“Estes dias eu estava
ouvindo um daqueles teus programas de rádio. Tem uma
coisa lá que tu disseste que ficou me chateando depois.
Fiquei irritado com aquilo. Tu sabes que eu e a I. nos
divorciamos há dois anos. Ela está saindo com R., eu
acho que tu conheces, é aquele cara que... Pois o
comentário é que eles vão morar no apartamento dele.
Eles, o meu filho (um menino de 5 anos), sei lá como é
que vai ser isso.
Tem um monte de coisas
minhas lá em casa (sic) que eu nunca peguei. A gente se
dá super bem, ela não vai sair jogando nada fora. Se
jogasse também não faria mal porque é tudo sucata que
não sei onde botar mesmo. Claro que se ela jogar minha
sucata fora eu vou ficar magoado. Mas eu fico magoado
por qualquer coisa. Mas o que eu quero te dizer não é
nada disso. É que o cidadão lá vai criar meu filho,
entende? Vai estar com ele todos os dias e eu vou virar
visita. Não, tá certo, claro que pai sou eu, pai é pai,
eu sou o pai, isso aí não muda.
O cidadão é boa gente
também, vai respeitar. Mas no rádio tu perguntaste qual
o grau de parentesco dele comigo, com pessoas assim
feito eu, que se divorciam e tal. Com gente como eu. O
cidadão chega e casa com a minha ex mulher e vai cuidar
do meu filho, vai ficar acordado, vai levar no médico,
vai pegar na escola. Este cara é parente meu, é óbvio.
Como é que não deram um nome para isso?
Tipo assim um cunhado.
Cunhado não dá, ele dorme com a minha ex mulher. Olha
aí, a ex mulher é parente, tem nome, é ex mulher, uma
espécie de prima irmã com que a gente não se dá muito
bem. O programa de rádio me fez pensar nisso. Quero ser
amigo do R, já sou amigo dele há tempos. Fiquei meio
chateado de saber que ele e a I. estavam por aí, mas
fiquei mais desapontado do que chateado. É difícil
pensar que alguém vai querer ficar com a ex mulher da
gente. O R. agora vai entrar para a família, tipo um
cunhado incestuoso. Não sei não.
Fico aqui imaginando que
ele está pensando o mesmo de mim. Vai querer ter boas
relações, aquela fachada toda, vai ficar me achando um
cunhado ex incestuoso, um pai cunhado da criança que ele
cuida, um meio primo. Irmão não dá porque é muito
próximo; conhecido é distante demais, meio agressivo.
Cunhado é a distância boa. Cunhado não apita nada, mas
tem algum poder, quando vem em casa se sente à vontade,
mas é convidado, não pode se estender muito, mas é de
casa. Taí. Fala isso no teu programa de rádio.” |